4.9. Trabalho Análogo à Escravidão

Os termos que conceituam o trabalho em condição análoga à de escravo têm por base a nossa Constituição Federal (CF). Em seu Artigo 1º a CF estabelece como direitos fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Não obstante, o Artigo 4º versa sobre a prevalência dos direitos humanos, deixando claro no Artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Este mesmo artigo estabelece que ninguém será submetido à tortura nem à tratamento desumano ou degradante e ainda que a propriedade atenderá a sua função social. Ainda, sem embargo, a CF estabelece no Artigo 170º que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Com relação à função social, a CF no seu Artigo 186º estabelece que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores [48].

Além dos direitos estabelecidos na CF, segundo o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo [48], o Brasil é signatário dos seguintes instrumentos do direito internacional:

  • Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956: ratificadas pelo Brasil em 1966, estabelecem o compromisso de seus signatários de abolir completamente a escravidão em todas as suas formas;

  • Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório de 1930, ratificada pelo Brasil em 1957, estabelece que os países signatários se comprometem a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no menor tempo possível;

  • Convenção da OIT nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado de 1957, ratificada pelo Brasil em 1965. Nela, os países signatários se comprometem a adequar sua legislação nacional às circunstâncias da prática de trabalho forçado neles presentes, de modo que seja tipificada de acordo com as particularidades econômicas, sociais e culturais do contexto em que se insere. Ademais, a Convenção estipula que a legislação deve prever sanções realmente eficazes;

  • Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe, no seu artigo 8º, todas as formas de escravidão;

  • Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas de 1966, ratificado pelo Brasil em 1992, garante, no seu artigo 7º, o direito de todos a condições de trabalho equitativas e satisfatórias;

  • Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas;

  • Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo de 1972, cujo 1º princípio estabelece que: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar”;

  • Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças ou “Protocolo do Tráfico” (Palermo, 2000), é um dos protocolos suplementares à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e prevê a criminalização do tráfico de pessoas voltado a qualquer forma de exploração sexual. Este protocolo está em vigor internacionalmente desde 2003 e foi ratificado pelo Brasil em 2004. O aliciamento de trabalhadores rurais no Brasil e de trabalhadores estrangeiros irregulares no intuito de submetê-los ao trabalho em condição análoga à de escravo iguala-se à definição de tráfico de seres humanos nele contida.

Com base nestes termos, o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo [48] informa que o trabalho é considerado em condição análoga à de escravo quando ocorrer a:

  1. Submissão de trabalhador a trabalhos forçados.

  2. Submissão de trabalhador a jornada exaustiva.

  3. Sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho;

  4. Restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho;

  5. Vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

  6. Posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

De tal maneira que a ausência de liberdade e de dignidade fazem o trabalhador escravo. Por isso, a eliminação das formas modernas de escravidão continua sendo uma prioridade no Brasil e o Ministério do Trabalho e do Emprego tem como um dos objetivos erradicar o trabalho escravo e degradante, por meio de ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. Essas ações são executadas por auditores–fiscais do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que podem contar com a participação de integrantes da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre outras forças policiais. A Inspeção do Trabalho visa regularizar os vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e demais consectários e libertá-los da condição de escravidão [49]. Caso seja observada a ocorrência trabalho em condição análoga à de escravo, os empregadores são incluídos em uma lista, conforme Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11, de maio de 2016 [50] na forma dos sucessivos atos normativos que o regulamentaram desde então. A inclusão de pessoas físicas ou jurídicas no Cadastro de Empregadores ocorre somente após a conclusão do processo administrativo que julga o auto específico de trabalho análogo à escravidão, resultando em uma decisão administrativa irrecorrível de procedência. Importante destacar que, mesmo após a inserção no Cadastro, conforme estipulado pelo artigo 3º da Portaria Interministerial que o regulamenta, o nome de cada empregador permanecerá publicado por um período de dois anos [49].

A Tabela 4.15 apresenta a estrutura do conjunto de dados do arquivo do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo no banco de dados PostgreSQL. Essa tabela não tem informações da localização espacial de onde ocorreram as ações de combate ao trabalho análogo ao escra

Nota

O arquivo cadastro_de_empregadores.csv encontra-se carregado na tabela cadastro-empregadores do banco de dados PostgreSQL.

4.9.1. Consultas

Consulta 1. Verificar como está cadastrado o CNPJ ou o CPF na tabela cadastro-empregadores.

Solução:
  SELECT cnpj_cpf, length(cnpj_cpf)
    FROM cadastro_empregadores
ORDER BY cnpj_cpf;

A consulta acima retornou os identificadores (CNPJ ou o CPF) e o número de caracteres de cada um deles


Consulta 2. As tabelas sicor_propriedades, sicor_mutuarios, sicor_lista_cooperados, sicor_complemento_rcp e sicor_complemento_cop também possuem os dados de CNPJ ou CPF cdastrados e podemos utilizá-las para fazer a verificação. Entretanto, para isso, é necessário verificar como estão os dados desses identificadores nessas tabelas.

Solução:

Nesse exemplo iremos utilizar a tabela sicor_propriedades para verificar a formatação e o número de caracteres desse campo

SELECT cd_cnpj_cpf
  FROM sicor_propriedades
 LIMIT 100;
SELECT DISTINCT(length(cd_cnpj_cpf))
  FROM sicor_propriedades;

No exemplo abaixo iremos utilizar a tabela sicor_complemento_cop para verificar a formatação e o número de caracteres desse campo

SELECT DISTINCT cd_cpf_perito
  FROM sicor_complemento_cop
 LIMIT 10;
SELECT DISTINCT(length(cd_cpf_perito))
  FROM sicor_complemento_cop;

Como pode ser observado, os identificadores (CNPJ ou o CPF) estão cadastrados de maneira diferente no SICOR e para fazermos as consultas, eles precisam estar com o mesmo tipo de dados e com a mesma formatação. Para isso, precisamos converter os dados da tabela cadastro-empregadores para o mesmo formato utilizado pelo SICOR.


Consulta 3. Convertendo o cnpj_cpf da tabela cadastro-empregadores para o mesmo formato utilizado pelo SICOR.

Solução:
CREATE TABLE cad_emp_tratado AS
SELECT replace(replace(replace(cnpj_cpf, '.', ''), '-', ''), '/', '') As cnpj_cpf_tratado,
       cadastro_empregadores.*
FROM cadastro_empregadores;

Consulta 4. Agora podemos relacionar o cnpj_cpf da tabela cad_emp_tratado com os dados do SICOR, iniciando pela tabela sicor_mutuarios.

Solução:
SELECT COUNT(*)
FROM sicor_mutuarios,
    cad_emp_tratado
WHERE sicor_mutuarios.cd_cpf_cnpj = cad_emp_tratado.cnpj_cpf_tratado;

Entretanto, essa consulta não leva em conta a data da publicação da lista do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.


Consulta 5. Agora podemos relacionar o cnpj_cpf da tabela cad_emp_tratado com os dados do SICOR, iniciando pela tabela sicor_mutuarios.

Solução:

Mas o formato que temos do campo com as datas data_inclusao_cad é do tipo texto e temos que criar uma coluna para armazenar esses dados no formato de data

 ALTER TABLE cad_emp_tratado
   ADD data_inicial DATE;


UPDATE cad_emp_tratado
   SET data_inicial =(
SELECT TO_DATE(left(cadastro_empregadores.data_inclusao_cad, 10),'DD/MM/YYYY')
  FROM cadastro_empregadores
 WHERE cadastro_empregadores.id =  cad_emp_tratado.id )

Após essa conversão, podemos cruzar os mutuários do SICOR com o cadastro_empregadores

SELECT op.ref_bacen, op.nu_ordem, op.dt_emissao,
        data_inclusao_cad
    FROM sicor_mutuarios,
        sicor_operacao_basica_estado AS op,
        cad_emp_tratado
WHERE sicor_mutuarios.ref_bacen = op.ref_bacen
    AND sicor_mutuarios.cd_cpf_cnpj = cad_emp_tratado.cnpj_cpf_tratado
    AND op.dt_emissao >= data_inicial
ORDER BY dt_emissao DESC;